Artigo apresentado pelo aluno Jorilson da Silva Rodrigues para composição da nota da disciplina Evangelhos, ministrada pelo Rev. Wilson Ferrante.
O Evangelho de João, o qual se pode ler em grego como Τὸ κατὰ Ἰωάννην εὐαγγέλιον, é um dos quatro evangelhos da Bíblia Sagrada, porém, traz uma percepção própria acerca das boas novas de Jesus Cristo, por isso mesmo não está entre os três evangelhos sinóticos. Está posicionado após Mateus, Marcos e imediatamente após Lucas. Tradicionalmente tem sido aceito que o autor é o Apóstolo João, filho de Zebedeu, um dos doze discípulos de Jesus (HALE, 1983, p. 100). Vale ressaltar desde logo, que o texto deste evangelho guarda estreita conexão com outras quatro obras, também atribuídas a João: as três epístolas joaninas e o livro de Apocalipse. Antes de passar ao tema principal deste artigo, esclarece-se que o evangelho de João é tido por alguns estudiosos como um dos mais influentes entre a comunidade cristã primitiva, principalmente em razão da grande quantidade de fragmentos de papiro de manuscritos com temas típicos dos escritos de João. Interessantemente os evangelhos sinóticos têm o Reino de Deus, e o Reino dos Céus, no caso de Mateus, como tema principal, sendo que João trata do Rei desse reino mencionado pelos demais evangelistas. Ele registra aspectos mais individualistas da escatologia, na medida em que Jesus é o Rei que veio e que há de voltar.
Então, considerando que as narrativas deste Evangelho estão mais voltadas para o debate entre pontos da relações igreja-sinagoga, se observa no texto uma contraposição com o judaísmo daquela época, mas sem aparentar os contornos de uma comunidade cristã propriamente dita. É fato que o cristianismo começou de uma inquietação no próprio judaísmo, que acabou por separar-se aos poucos, mas com firmeza, por causa da incompatibilidade entre esses dois movimentos religiosos. Pode-se afirmar que o evangelho de João traz entre as questões de relevo, discursos longos que vão ocorrendo logo após a narração de milagres ou sinais. Na sequência, o que se verifica é a narrativa da paixão, morte e ressureição; além das aparições após a ressureição. Há quem chame a primeira parte de Livro dos Sinais e a segunda de Livro da Glória (Bauckham, 2007). Com isso em mente é possível avaliar a questão da divindade de Jesus no Evangelho de João.
JESUS CRISTO É DEUS
Em Carson (1997, p. 185) encontra-se uma boa referência sobre quando Jesus é revelado como a segunda pessoa da trindade, portanto, Deus. Ele menciona que há alguma distinções entre João e os sinóticos. Entre elas está o fato de que João, logo no primeiro capítulo, apresenta uma extensa lista com revelações cristológicas. Justamente esse interesse em demonstrar sua consciência de que Jesus é o Cristo apoia um interesse maior: a confissão de que Jesus é Deus. Mesmo que haja crítica sobre essa diferença entre os evangelhos sinóticos e João, como se essa designação divina a Jesus fosse um fato posterior, no entanto, o que se pode reparar é que há concordância histórica na atitude teológica entre eles. Assim, a solução é mais simples do que se possa imaginar, pois no que respeita a história, há coesão lógica interna ao evangelho de João. Nesse sentido vale trazer o testemunho de outro João, um que batizou o próprio Jesus. Carlson (1997, p. 186) mais uma vez acerta, ao defender que:
“O fato de os discípulos de João Batista se dissociarem de seu líder enquanto ele está no auge de seu poder e influência e transferirem seu compromisso para alguém oriundo da Galiléia, ainda desconhecido e sem seguidores, é mais facilmente explicado como o evangelista o faz: o próprio João Batista indicou quem Jesus era, insistindo em ter vindo como precursor dele.”
Portanto, entre os que seguiam João Batista estavam alguns que creram que Jesus era o Cristo, estando conectados à própria mensagem de João Batista e mais sensíveis à sua própria pregação. Do meio desses surgiram aqueles que estavam resolutos na missão de se tornarem discípulos de Jesus, por uma razão singela, eles creram em quem Ele era. Claro que há outros elementos a serem mencionados, entre ele um breve estudo sobre o estilo literário e vocabulário em João. O exemplo de que ele não menciona Jesus realizando “milagres” (δῠνάμεις: dynámeis) e sim “sinais” (σημεῖᾰ: sēmeia) também revela a identidade divina de Jesus (EVANS, 2104, p. 236).
OUTROS APORTES HISTÓRICOS
Logo no prólogo do evangelho de João, Jesus é distinguido como Logos ou Palavra. Ocorre que na filosofia grega antiga, a expressão logos significava o princípio para a existência do cosmos. De certo modo, essa também é a visão do conceito hebraico de Sabedoria (Sophia), companheira de Deus e ajudante íntima na criação. É possível aceitar bem a ideia de que esse evangelho aperfeiçoou a designação de Philo do Logos, apontando-a para Jesus, a encarnação do Logos. Mas há ainda outra possibilidade é que o título logos seja baseado no conceito da Palavra divina encontrada nos Targums (tradução/interpretação aramaica recitada na sinagoga após a leitura das Escrituras Hebraicas). Esses fatores também ajudam a reforçar a ideia de herança judaica da parte do escritor, mesmo que João tenha feito menos uso do Antigo Testamento (HALE, 1983, p. 115).
Os Targums foram todos produzidos posteriormente ao primeiro século, mas evidenciam a preservação de material antigo, o conceito de Palavra divina foi usado de maneira semelhante a Philo, ou seja, para a interação de Deus com o mundo, a partir da criação e especialmente com o seu povo. Por exemplo Israel foi salvo do Egito pela ação da “Palavra do Senhor”. Os Targums concebem a Palavra como sendo manifestada entre os querubins e o Santo dos Santos. Do início ao fim, vê-se que o quarto Evangelho aponta para um interesse rabínico (7:25-31; 7:40-44; 12:34). A expressão “Eu sou” utilizada por Jesus, tinha especial de interesse rabínico, já que se relaciona com a autoidentificação de Jesus como o YHWH (יהוה ), Yahweh do Antigo Testamento (HALE, 1983, p. 116).
CONCLUSÃO
Diante do exposto, se pode afirmar que o fato de Jesus ser apresentado como Deus, entre outras razões, tem feito com que essa obra de João seja chamada de “evangelho espiritual”, também por causa da maneira como retrata Jesus. Outra característica interessante do evangelho de João é que Jesus fala em longos monólogos, em vez de declarações concisas ou parábolas. Ele proclama abertamente sua divindade e insiste que o único caminho para o Pai é através dele. Os suportes históricos são robustos o suficiente para demonstrarem que no contexto dos primeiros leitores, Jesus era reconhecido como um ser divino. Portanto, o cristão hoje tem razões suficientes para entender que o Jesus histórico revela a glória de Deus e que por Ele se pode “ver” Deus, por isso não há motivo para buscar aportes esotéricos para resolver a questão da divindade de Jesus.
BIBLIOGRAFIA
BAUCKHAM, Richard. The Testimony of the Beloved Disciple: Narrative, History, and Theology in the Gospel of John [O Testemunho do Discípulo Amado: Narrativa, História e Teologia no Evangelho de João]. Grand Rapids, MI, USA: Baker Publishing, 2007.
CARSON, Donald Arthur. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997.
EVANS, Craig Alan. The Encyclopedia of the Historical Jesus [A Enciclopédia do Jesus Histórico]. Oxfordshire, England, UK: Routledge, 2014.
HALE, Broadus David. Introdução ao estudo do Novo Testamento. Rio de Janeiro: Junta de Educação Religiosa e Publicações, 1983.